sexta-feira, 17 de junho de 2011

Salvos Colombo e São José dos Pinhais

Cratera se abre na Avenida João Gualberto, rachadura aparece na Rua Padre Anchieta. Não é 2012 com seu fim do mundo chegando, é somente o fim para Curitiba.


Padre Anchieta Foto: Ivonaldo Alexandre / Agência de Notícias Gazeta do Povo



João Gualberto. Foto: Aniele Nascimento / Agência de Notícias Gazeta do Povo


Lamentações de Curitiba (Dalton Trevisan)

A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação.
Suave foi o jugo de Nabucodonossor rei de Babilônia, diante de Curitiba escarmentada sob as patas dos anjos do Senhor como laranja azeda que não se quer comer de azeda que é.
Ai, ai de Curitiba, o seu lugar será achado daqui a uma hora.
Gemerei por Curitiba; sim, apregoarei por toda a Curitiba a nuvem que vem pelo céu, o grito dos infantes a anuncia porque o Senhor o disse.
A chuva de ais inundará a terra sem subir ao céu; e no céu verão as costas do Senhor; e no céu sem lua nem sol a tampa descida do céu.
No dia de suas aflições os vivos serão levados pela mão dos mortos para a morte horrível. Da cidade não ficará um garfo, aqui uma panela, ali uma xícara quebrada; ninguém informará onde era o túmulo de Maria Bueno.
O dia virá no meio do maior silêncio com um guincho.
O que fugir do fogo não escapará da água, o que escapar da peste não fugirá da espada, mas o que escapar do fogo, da água, da peste e da espada, esse não fugirá de si mesmo e terá morte pior.
O relógio da Praça Osório marca a hora parada do dia de sua visitação.
Ó lambari vermelho do rio Ivo, passou o tempo assinalado.

Os abutres afiam seus bicos revurvos por causa do dia que vem perto. Escorrerá devagar o tempo como azeite derramado, eis a chaga da aproximação do dia. Cada um exibe na testa o estigma da besta; aqui há sabedoria.
O pânico virá num baile de travestis no Operário, no meio do riso; o riso não será riso, diz o Senhor, as bicharocas desfilarão diante do espelho e não darão sua imagem.
Diz o Senhor: eis que Eu entrego esta cidade nas mãos de Baal e dos filhos com rabo de Baal, e tomá-la-ão.
Este é o povo que morreu de espada: cento e noventa mil e sete almas e mais uma; todas as almas perdidas numa hora e sem um só habitante.
A estátua do Marechal de Ferro madrugará com os olhos na nuca para não ver.
Os ipês na Praça Tiradentes sacolejarão os enforcados como roupa secando no arame.
De assombro as damas alegres da Dinorá atearão fogo ao vestido gritando nas janelas o fim dos tempos.
No rio Belém serão tantos os afogados que a cabeça de um encostará nos pés de outro, e onde a cachaça para mil e um velórios? Os ratos de rabinho satisfeito hão de roer todo o dinheiro do Banco de Curitiba.
Para embainhar minha espada, diz o Senhor, os vinte e três necrófilos da cidade casarão em comunhão de bens com suas noivas desenterradas e vestidas de branco.
A filha de meu povo será um pátio no Asilo Nossa Senhora da Luz com seus urros e maldições.
Muitos correrão para baixo da cama e cada um terá mais de uma morte: uma, a que escolher e a outra pela espada do Senhor, que já assobia no ar.
O rio Barigui se tingirá de vermelho mais que o Eufrates. Um sino baterá no ouvido dos homens e eles se esborracharão feito caqui maduro. As filhas vaidosas de sua cidade suspirarão. Chorarão pedras de sangue dizendo: Não existe dor como a minha dor. Depois hão de chorar os próprios olhos com dois buracos na cara.
Ai de Curitiba, perece o teu povo e se quebranta meu coração, porque é o dia da visitação, diz o Senhor. Dos teus lambrequins de ouro, das tuas cem figurinhas de bala Zequinha. Do teu bebedouro de pangarés, a gente perguntará: que fim levarão?
Dá uivos, ó Rua XV, berra, ó Ponte Preta, uma espiga de milho debulhada é Curitiba: sabugo estéril.
O terror arrombará as portas, os macaquinhos do Passeio Público destelharão as casas, a cidade federá como a jaula de um chacal doente.
Onde estarão todos os leões de pedra que guardam as casas de teus ricos e os tatus de rabo amarelo que guardam os teus medrosos leões?
Maldito o dia em que o filho do homem te habitou; o dia em que se disse nasceu uma cidade não seja lembrado; por que não foste sempre um deserto, em vez de cercada de muros e outra vez sem um só habitante?
Ó Curitiba Curitiba Curitiba, estendes os braços perfumados de giesta pedindo tempo, quando não há mais tempo.
Ó Curitiba Curitiba Curitiba, escuta o grito do Senhor feito um martelo que enterra os pregos.
Teu próprio nome será um provérbio, uma maldição, uma vergonha eterna.
Curitiba, o Senhor chamou o teu nome e como o de Faraó rei do Egito é apenas um som.
A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais.
Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá voo no degrau de tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba.

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